Resenha: Coisas Inatingíveis - Danilo Leonardi

Em “Coisas inatingíveis”, quatro histórias se entrelaçam numa trama de tirar o fôlego e que fará você repensar sua vida. Cristina, Raí, Bianca e Bernardo. Jovens com diferentes visões, diferentes caminhos, mas com um único anseio: aproveitar cada dia como se fosse o último. Danilo Leonardi, com seu estilo próprio, vai direto ao ponto, sem rodeios, em temas difíceis de lidar.
“O universo jovem-adulto com sexo, drogas e rock n’roll embalados por toques de absurdo.” Raphael Montes 
– Você promete?
Ela sempre está atrás de mim. Estou debruçada à janela do hospital, mas a voz causa um formigamento na minha nuca. E eu me lembro dessa conversa, porque ela nunca chegou ao fim.
– Prometo o quê? – Pergunto, mas já sei a resposta.
Então a vejo fazendo uma coisa inédita. Ela se levanta, careca, magra, vestindo nada além de uma camisola hospitalar. Perfeita.
– Que vai parar de viver no passado. – Ela caminha até a mim e começa a trançar meu cabelo, como quando eu era criança. Quase posso sentir seu perfume, embora ela não usasse perfume no hospital. – A felicidade só vai te encontrar se você parar de se esconder.
– Tenho medo do futuro – sussurro.

Edição: 2
Editora: Editora Planeta
ISBN: 9788542210736
Ano: 2017
Páginas: 224

Oie, Hoje eu vim trazer para vocês, a resenha de Coisas Inatingíveis do Danilo Leonardi. Esse não foi o meu primeiro contato com a escrita do autor, já tive a oportunidade de ler o seu primeiro livro, Por que Indiana, João?, e posso comentar que é notável a maneira que o autor amadureceu a sua escrita desde o seu romance de estréia, desde a temática, até o desenvolvimento dos seus personagens.

O Danilo nos trouxe um livro completamente fora da caixinha, capaz de fazer cair os cabelos dos moralistas, trazendo uma narrativa complexa e bem real sobre a saída da adolescência e a entrada na vida adulta. A trama passeia por vários aspectos muito presentes durante a juventude desde o uso de drogas até a descoberta da sexualidade e todas as suas nuances. 

A história é protagonizada por quatro jovens: Cris, Rai, Bianca e Bernardo e cada um recebe o seu ponto de vista na narrativa porém de uma maneira linear, ou seja, cada um deles narra uma parte diferente da trama, não temos dois pontos de vista do mesmo fato.

O começo da história é narrado pela Cris, uma jovem que até então não dava maiores trabalhos, mas que agora enfrenta uma das fases do luto, pois perdeu a mãe recentemente e vai começar as aulas da faculdade, um ambiente novo, onde não conhece ninguém. Lá ela conhece Raí e Bernardo, que também a apresentam a Bianca, com eles ela conhece o mundo das drogas e uma liberdade que até então ela não conhecia e acaba mergulhando nesse mundo, sem saber o quão perigoso ele pode ser. Além de nesse interim ter de lidar com um ex-namorado abusivo.

Na sequencia a narração passa para o Raí, um rapaz complexo e com graves problemas de personalidade, entre eles a forte tendência à violência, coisas que não são fáceis de notar à primeira vista. Raí além de usar drogas também as revende trabalhando para a sua prima Bianca, que também é uma das narradoras da trama. A parte da narrativa do Rai mostra  aspectos do tráfico nesse meio de "elite" onde os usuários são jovens ricos que frequentam baladas "top" em casa de show, e desmistifica a ideia deturpada de como são os usuários de drogas e os traficantes. Além de tudo isso, na sua parte Raí também se vê às voltas com questões de afetividade e sexualidade.

O terceiro narrador da trama é a Bianca, "a chefe do tráfico" e a sua parte da narrativa nos apresenta o momento que "a casa cai", ela nos narra os efeitos colaterais que o uso e a venda de drogas eventualmente acarretarão a vida dos envolvidos. Toda a violência emitida volta para cobrar a sua conta, por mais ético que esses traficantes acreditem que estão sendo, paralelamente vemos mais questões sobre sexualidade e afetividade surgirem e essas culminam na ultima parte da narrativa.

Essa ultima parte fica por conta do Bernardo. Ele é o típico garoto "Maria vai com as outras" que faz te tudo para se enturmar. Bê é super protegido pelos pais por ter uma doença grave, quanto por eles serem fanáticos religiosos, o que também faz com que o jovem tenha problemas para expressar a sua sexualidade e quando opta por isso, ele paga um alto preço. A parte do livro narrada pelo bernardo além de nos dar o desfecho dessa novela, nos coloca cara a cara com a homofobia por parte da própria família, de uma forma tensa, incomoda e até mesmo dramática, mas que com certeza nos incita a pensar.

Coisas Inatingíveis foi uma obra que causou polêmica, pois o autor não retratou o mundo das drogas da maneira clichê que o pintam: "Drogas são ruins afaste-se delas!" e sim da maneira real "Drogas causam boas sensações, mas a longo prazo causam mal, afaste-se delas ou você vai se ferrar como nossos protagonistas!" Uma mensagem que, na minha opinião, é muito mais efetiva para se usar com jovens, mas cujo cabresto do falso moralismo, não permite que algumas pessoas compreendam.
É comum que a sociedade em si tente usar o medo para manter os jovens afastados do mundo das drogas, mas o medo funciona como um desafio e ao invés de afastar na maioria das vezes desperta é a curiosidade. Acabamos produzindo jovens mau informados e que se tornam presas fáceis nas mãos de pessoas más intencionadas, a verdade sempre será mais informativa e efetiva. E é essa abordagem da obra, no início tudo parece flores, mas não demoram a surgir os transtornos e então é uma desgraça atrás da outra e não pensem que o Danilo poupou desgraças nesse livro.

A narrativa é leve rápida, em alguns pontos ela é até rápida demais, achei o desenrolar da história tendendo um pouco ao drama e também detectei alguns furos de roteiro, que inclusive fogem a realidade. Mas, a leitura vale a pena pela mensagem impactante que ela passa, tanto mostrando aos jovens que estiverem confusos com a sua sexualidade que "Ok é normal estar confuso nessa fase da sua vida", quanto por levantar as críticas sociais voltadas principalmente a relacionamentos abusivos, explanando esses inclusive em várias esferas da vida como: relacionamentos amorosos, amizades e até mesmo na relação familiar. O Danilo aprofundou-se mais na questão homofobia e foi lá tocar na ferida da cura gay, como é uma clínica, como é o tratamento e que tipo de sequelas isso pode causar. Pasmem: Esses lugares existem, mesmo!
Essa é uma das únicas obras NA que eu vi abordar a temática da Bissexualidade e não só feminina, além de explanar bem sobre questões de liberdade sexual e amor livre, de uma maneira não fetichista e sim realista. Assuntos esses que são pouco falados na literatura atual, mas bem interessantes que deveriam ser mais frequentemente abordados.

Enfim, a obra tem as suas brechas, mas não perde suas qualidades por causa disso. Proporciona uma leitura rápida, as vezes um pouco densa, um pouco incômoda, por abordar temas não tão fáceis de serem tratados, mas necessários.