O Corvo - Poe

26 agosto 2008


"Em certo dia, à hora, à hora da meia noite que apavora Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, Ao pé de muita lauda antiga, De uma velha doutrina, agora morta, Ia pensando quando ouvi à porta Do meu quarto um soar devagarinho, E disse estas palavras tais: 'É alguém que me bate à porta de mansinho; Há de ser isso e nada mais' Ah, bem me lembro! bem me lembro! Era no Glacial dezembro Cada brasa do lar sobre o chão refletia A sua última agonia Eu, ansioso pelo sol, buscava Sacar daqueles livros que estudava Repouso (em vão!) à dor esmagadora Destas saudades imortais Pela que ora nos céus chamam Lenora E que ninguém chamará mais"

Logo, ele conclui que deva ser alguma "...visita amiga e retardada... há de ser isso e nada mais".

"Minh'alma então sentiu-se forte; Não mais vacilo e desta sorte Falo: 'imploro de vós, - ou senhor ou senhora, Me desculpeis tanta demora Mas como eu, precisando de descanso, Já cochilava, e tão de manso e mansa Batestes, não fui logo, prestemente, Certificar-me que aí estais' Disse; a porta escancaro, acho a noite somente, Somente a noite e nada mais."

Nosso triste homem suspira ao ver a escuridão: "...Só tu, palavra única e dileta,/ Lenora, tu, como um suspiro escasso da minha trite boca sais; / E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; / Foi isto apenas, nada mais"

Na sexta estrofe, o homem tenta acalmar o coração: "...Devolvamos a paz ao coração medroso, / Obra do vento e nada mais"

A sétima estrofe marca o encontro: "Abro a janela, e de repente, Vejo tumultuosamente Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias. Não despendeu em cortesias Um minuto, um instante. Tinha o aspecto De um lord ou uma lady. E pronto e reto, Movendo no ar suas negras alas, Acima voa dos portais, Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas; Trepado fica, e nada mais"

A oitava, junto com a nona, a décima e a décima primeira são minhas preferidas... Aí estão:

"Diante da ave feia e escura, naquela rígida postura, Com o gesto severo, - o triste pensamento Sorriu-me ali por um momento, E eu disse: 'Ó tu das noturnas plagas Vens, embora a cabeça nua tragas, Sem topete, não és ave medrosa, Dize os teus nomes senhorais; Como te chamas tu na grande noite umbrosa?' E o corvo disse:'Nunca mais'.

Vendo que o pássaro entendia A pergunta que eu fazia, Fico atônito, embora a resposta que dera, Dificilmente lha entendera. Na verdade, jamais homem há visto Cousa na terra semelhante a isto: Uma ave negra, friamente posta Num busto acima dos portais, Ouvir uma pergunta e dizer em resposta Que este é seu nome:'Nunca mais'

No entanto, o corvo solitário Não teve outro vocabulário Como se essa palavra escassa que ali disse Toda a sua alma resumisse. Nenhuma outra proferiu, nenhuma, Não chegou a mexer uma só pluma, Até que eu murmurei: 'Perdi outrora Tantos amigos tão leais! Perderei também este em regressando a aurora' E o corvo disse: 'Nunca mais'

Estremeço. A resposta ouvida É tão exata! É tão cabida! 'Certamente, digo eu, essa é toda a ciência Que ele trouxe da convicência De algum mestre infeliz e acabrunhado Que o implacável destino há castigado Tão tenaz , tão sem pausa, nem fadiga, Que dos seus cantos usuais Só lhe ficou, na amarga e última cantiga, Esse estribilho: 'Nunca mais'"

O homem pensa na ave, e no significado de suas palavras: "...Entender o que quis dizer a ave do medo / Grasnando a frase: 'nunca mais'"

O pobre infeliz lembra de sua Lenora ao olhar em volta... a loucura parece atingi-lo suavemente pelos braços da saudade:

"Assim posto, devaneando, Meditando, conjeturando, Não lhe falava mais; mas, se lhe não falava, Sentia o olhar que me abrasava. Conjeturando fui, tranqüilo a gosto, Com a cabeça no macio encosto Onde os raios da lâmpada caíam, Onde as tranças angelicais De outra cabeça outrora ali se desparziam, E agora não se esparzem mais."

"Supus então que o ar, mais denso, Todo se enchia de um incenso, Obra de serafins que, pelo chão roçando Do quarto, estavam meneando Um ligeiro turíbulo invisível; E eu exclamei então: 'Um Deus sensível Manda repouso à dor que te devora Destas saudades imortais. Eia, esquece, eia, olvida essa extinta Lenora'. E o corvo disse: 'Nunca mais'.

'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas! Profeta, sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno Onde reside o mal eterno, Ou simplesmente náufrago escapado Venhas do temporal que te há lançado Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo Tem os seus lares triunfais, Dize-me: existe um bálsamo no mundo?' E o corvo disse: 'Nunca mais'.

'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas! Profeta, sempre, escuta, atende, escuta, atende! Por esse céu que além se estende, Pelo Deus que ambos adoramos, fala, Dize a esta alma se é dado inda escutá-la No éden celeste a virgem que ela chora Nestes retiros sepulcrais, Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!' E o corvo disse: 'Nunca mais'.

'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que negrejas! Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa! Regressa ao temporal, regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fique no meu casto abrigo Pluma que lembre essa mentira tua. Tira-me ao peito essas fatais Garras que abrindo vão a minha dor já crua.' E o corvo disse: 'Nunca mais'
E o corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho, Um demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No chão espraia a triste sombra; e, fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no chão, a minha alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais!"

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