O Corvo - Poe
"Em certo dia, à hora, à hora da meia noite que apavora
Eu, caindo de sono e exausto de fadiga, Ao pé de muita lauda antiga, De uma
velha doutrina, agora morta, Ia pensando quando ouvi à porta Do meu quarto um
soar devagarinho, E disse estas palavras tais: 'É alguém que me bate à porta de
mansinho; Há de ser isso e nada mais' Ah, bem me lembro! bem me lembro! Era no
Glacial dezembro Cada brasa do lar sobre o chão refletia A sua última agonia
Eu, ansioso pelo sol, buscava Sacar daqueles livros que estudava Repouso (em
vão!) à dor esmagadora Destas saudades imortais Pela que ora nos céus chamam
Lenora E que ninguém chamará mais"
Logo, ele conclui que deva ser alguma "...visita amiga
e retardada... há de ser isso e nada mais".
"Minh'alma então sentiu-se forte; Não mais vacilo e
desta sorte Falo: 'imploro de vós, - ou senhor ou senhora, Me desculpeis tanta
demora Mas como eu, precisando de descanso, Já cochilava, e tão de manso e
mansa Batestes, não fui logo, prestemente, Certificar-me que aí estais' Disse;
a porta escancaro, acho a noite somente, Somente a noite e nada mais."
Nosso triste homem suspira ao ver a escuridão: "...Só
tu, palavra única e dileta,/ Lenora, tu, como um suspiro escasso da minha trite
boca sais; / E o eco, que te ouviu, murmurou-te no espaço; / Foi isto apenas,
nada mais"
Na sexta estrofe, o homem tenta acalmar o coração:
"...Devolvamos a paz ao coração medroso, / Obra do vento e nada mais"
A sétima estrofe marca o encontro: "Abro a janela, e de
repente, Vejo tumultuosamente Um nobre corvo entrar, digno de antigos dias. Não
despendeu em cortesias Um minuto, um instante. Tinha o aspecto De um lord ou
uma lady. E pronto e reto, Movendo no ar suas negras alas, Acima voa dos
portais, Trepa, no alto da porta, em um busto de Palas; Trepado fica, e nada
mais"
A oitava, junto com a nona, a décima e a décima primeira são
minhas preferidas... Aí estão:
"Diante da ave feia e escura, naquela rígida postura,
Com o gesto severo, - o triste pensamento Sorriu-me ali por um momento, E eu
disse: 'Ó tu das noturnas plagas Vens, embora a cabeça nua tragas, Sem topete,
não és ave medrosa, Dize os teus nomes senhorais; Como te chamas tu na grande
noite umbrosa?' E o corvo disse:'Nunca mais'.
Vendo que o pássaro entendia A pergunta que eu fazia, Fico
atônito, embora a resposta que dera, Dificilmente lha entendera. Na verdade,
jamais homem há visto Cousa na terra semelhante a isto: Uma ave negra,
friamente posta Num busto acima dos portais, Ouvir uma pergunta e dizer em
resposta Que este é seu nome:'Nunca mais'
No entanto, o corvo solitário Não teve outro vocabulário
Como se essa palavra escassa que ali disse Toda a sua alma resumisse. Nenhuma
outra proferiu, nenhuma, Não chegou a mexer uma só pluma, Até que eu murmurei:
'Perdi outrora Tantos amigos tão leais! Perderei também este em regressando a
aurora' E o corvo disse: 'Nunca mais'
Estremeço. A resposta ouvida É tão exata! É tão cabida!
'Certamente, digo eu, essa é toda a ciência Que ele trouxe da convicência De
algum mestre infeliz e acabrunhado Que o implacável destino há castigado Tão
tenaz , tão sem pausa, nem fadiga, Que dos seus cantos usuais Só lhe ficou, na amarga
e última cantiga, Esse estribilho: 'Nunca mais'"
O homem pensa na ave, e no significado de suas palavras:
"...Entender o que quis dizer a ave do medo / Grasnando a frase: 'nunca
mais'"
O pobre infeliz lembra de sua Lenora ao olhar em volta... a
loucura parece atingi-lo suavemente pelos braços da saudade:
"Assim posto, devaneando, Meditando, conjeturando, Não
lhe falava mais; mas, se lhe não falava, Sentia o olhar que me abrasava.
Conjeturando fui, tranqüilo a gosto, Com a cabeça no macio encosto Onde os
raios da lâmpada caíam, Onde as tranças angelicais De outra cabeça outrora ali
se desparziam, E agora não se esparzem mais."
"Supus então que o ar, mais denso, Todo se enchia de um
incenso, Obra de serafins que, pelo chão roçando Do quarto, estavam meneando Um
ligeiro turíbulo invisível; E eu exclamei então: 'Um Deus sensível Manda
repouso à dor que te devora Destas saudades imortais. Eia, esquece, eia, olvida
essa extinta Lenora'. E o corvo disse: 'Nunca mais'.
'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que
negrejas! Profeta, sempre, escuta: Ou venhas tu do inferno Onde reside o mal
eterno, Ou simplesmente náufrago escapado Venhas do temporal que te há lançado
Nesta casa onde o Horror, o Horror profundo Tem os seus lares triunfais,
Dize-me: existe um bálsamo no mundo?' E o corvo disse: 'Nunca mais'.
'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que
negrejas! Profeta, sempre, escuta, atende, escuta, atende! Por esse céu que
além se estende, Pelo Deus que ambos adoramos, fala, Dize a esta alma se é dado
inda escutá-la No éden celeste a virgem que ela chora Nestes retiros
sepulcrais, Essa que ora nos céus anjos chamam Lenora!' E o corvo disse: 'Nunca
mais'.
'Profeta ou o que quer que sejas! Ave ou demônio que
negrejas! Cessa, ai, cessa! clamei, levantando-me, cessa! Regressa ao temporal,
regressa À tua noite, deixa-me comigo. Vai-te, não fique no meu casto abrigo
Pluma que lembre essa mentira tua. Tira-me ao peito essas fatais Garras que
abrindo vão a minha dor já crua.' E o corvo disse: 'Nunca mais'
E o corvo aí fica; ei-lo trepado No branco mármore lavrado
Da antiga Palas; ei-lo imutável, ferrenho. Parece, ao ver-lhe o duro cenho, Um
demônio sonhando. A luz caída Do lampião sobre a ave aborrecida No chão espraia
a triste sombra; e, fora Daquelas linhas funerais Que flutuam no chão, a minha
alma que chora Não sai mais, nunca, nunca mais!"

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